Desde sempre, os mais diversos paradigmas sociais são abordados no cinema. Dito isto, é fácil compreender que não é o tema, mas a perspectiva que o autor trabalha sobre ele, que diferencia uma obra prima de uma bagatela.
Um bom exemplo cabe nas comédias românticas, que ao grudar no lado apelativo e emocional acabam caindo dentro de um copo de “água com açúcar”. Mas, o antagonismo afiado de alguns cineastas prova que o gênero não deve ser vulgarizado.
O diretor grego Yorgos Lanthimos, trabalha os laços afetivos com uma crítica mordaz aos relacionamentos superficiais, injetando uma dose de humor exótico no longa O Lagosta (The Lobster).
O filme que teve sua estréia no 68º Festival de Cannes, em 2015, conta de forma sarcástica a história de David (Collin Farrell) um recém divorciado, que vive num futuro não muito distante, aonde pessoas solteiras são consideradas criminosas. Sendo assim, os solitários devem ser enviados a um hotel por 45 dias, aonde têm a obrigação de achar um par, caso contrário, são transformados em animais de suas escolhas.
O Lagosta – animal escolhido pelo personagem – tempera o gênero meloso com um q de ficção científica, e apesar de o romance ser tratado de maneira exorbitante, o crítico de cinema Anthony Scott, da New York Times, reflete sobre a relação que isso tem com a realidade.
“The Lobster” poderia ser pensado como um exame do estado das afeições humanas na era do aplicativo de namoro, uma crítica à forma como as relações são frequentemente reduzidas à correspondência superficial de interesses e tipos.”
No segundo momento do filme, David se vê sufocado pela obrigatoriedade de um relacionamento raso e ilusório e foge para floresta aonde vive um grupo chamado the singles. Estes são doutrinados a nunca ter qualquer tipo de relação afetiva, mas o personagem se apaixona por uma solitária (Rachel Weisz), e vive momentos de tensão sob a supervisão da líder severa (Léa Seydoux).
Lanthimos tange a situação de uma forma que não nos deixa com um gostinho ácido direcionado apenas aos casais iludidos e essa brincadeira cria uma reflexão aos extremos.
João Fiorot, jornalista e redator do site PontoJão faz uma boa compreensão ao dizer que esse é um filme que será sempre melhor entendido como uma comédia de constrangimento, pois ele expõe o “sujo falando do mal lavado”.
O fim silencioso, quase inerte, cria uma aura em que se percebe que o brilhantismo da obra vai muito além do enredo bem trabalhado. A fotografia em escala fria, o kitsch do som estridente diante de uma situação intensa e a expressão perfeitamente delineada no rosto dos personagens cria uma ligação direta com espectador, dando a sensação de que se está submerso na cena junto com o lagosta.