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Priscila Silva

Crítica do filme "Dançando no escuro", por Priscila Silva

A sombra de um musical

Essa é a definição do filme “Dançando no escuro”, do polêmico diretor dinamarquês Lars Von Trier. Pode soar irônico, já que os musicais são repletos de cores e movimentos que remetem à alegria e uma sensação de bem estar. Mas é isso mesmo que ele vem contrastar.


O filme conta a história de Selma Jezkova, estrelado pela atriz, compositora e cantora islandesa Björk, que é uma mãe solteira, tcheca que foi morar nos Estados Unidos e que é portadora de uma doença grave que está acometendo a sua visão. Consegue nas horas vagas do seu trabalho frequentar o curso de teatro e dançar.


Selma ao longo do filme junta as suas economias que adquire como operária numa fábrica, para pagar a cirurgia dos olhos, mas não os dela e sim do seu filho, já que a doença que ela possui é hereditária. Apaixonada por musicais clássicos de Hollywood, ela vive entre sonhos e realidade, enquanto trabalha nas extenuantes horas na metalurgia.


Acompanhada de sua única amiga e também colega de trabalho Kathy, vai ao cinema para assistir musicais e sem enxergar os passos, tem o auxilio dos dedos de sua fiel companheira na palma de sua mão ao transmitir simultaneamente os passos dos atores na grande tela.



Em suas canções, ela narra a sua triste vida, nos levando a ver a sua dor e ao mesmo tempo não sentir, porque a música age como anestesia ao seu sofrimento. Selma Jeskova entre os barulhos da vida real nos leva a dançar.


Na crítica de Luiz Zanin Orichhio, “No fundo, tudo seria apenas risível se Dançando no Escuro fosse apenas essa história patética de uma mãe abnegada de uma criatura cuja passividade chega a ser exasperante para a plateia. Acontece que Lars von Trier é um manipulador, um hábil puxador de cordéis, que sabe ditar o ritmo e a intensidade das emoções, pode mobilizar luz e sombras em cada cena, tudo para que o espectador saiba - ao mesmo tempo - que tudo aquilo é falso e intensamente verdadeiro.”


Sem aceitar a sua condição, ela perde o seu trabalho, pois não consegue exercê-lo com rapidez já que não enxerga e além disso vê-se também reduzida no papel onde faz curso de teatro por não estar dançando tão bem quanto os outros alunos. Selma na percepção de todos, nasceu culpada, por ter a doença e mesmo assim escolher ser mãe. Selma também é culpada por não ver a realidade nua e crua e embarcar nos seus sonhos musicais. Selma é culpada por ser ela.


Para o crítico cinematográfico Caio Coelho, o estilo da obra remete a um movimento internacional cinematográfico “Cabe aos takes musicais o nosso transporte para as alucinações da protagonista, momentos esses marcados por serem os únicos em que notamos a felicidade cínica dos musicais. A explicação para isto está no movimento Dogma 95, criado em 1995 pelos cineastas dinamarqueses Thomas Vinterberg e Lars Von Trier.” E justamente esse manifesto fez com que o filme tivesse uma cara mais realista e menos comercial.


A inquietude das câmeras é percebida logo nas primeiras cenas do filme, nele também não é visto grandes recursos, essa mudança tem cunho técnico. Possui restrições quanto ao uso de tecnologias e isso tudo é proposital, quem assiste percebe que a câmera não está fixa num local, isso também serve para obedecer os 10 critérios do dogma 95, tais como: -O som não deve ser produzido sem a imagem ou vice-versa. (A música não poderá ser utilizada a menos que ressoe no local onde se filma a cena, isso é bastante visto no Dançando no escuro), - A câmera deve ser usada na mão. São consentidos todos os movimentos – ou a imobilidade.


O filme vai passando e Selma vem sendo descontruída e reduzida ao real: à sua triste realidade. Na cena final e a mais impactante do filme, ela é a estrela do palco.



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