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Saneamento básico e Saúde Mental: o impacto coletivo da falta de recursos na comunidade de Tamoios

Foto do escritor: AECAEC

A privação de água potável e coleta de esgoto afeta a saúde mental e qualidade de vida dos moradores em Cabo Frio, revelando uma vulnerabilidade que vai além da infraestrutura


Por Sophia A. Vitorino


A comunidade de Tamoios, distrito de Cabo Frio, enfrenta uma crise silenciosa que já deixou suas marcas ao longo do tempo: a falta de saneamento básico adequado. A situação se agrava com o lançamento de esgoto em rios locais e a escassez de água potável durante períodos de alta demanda. A infraestrutura disponível não atende às necessidades de uma população em crescimento, expondo os moradores a riscos que vão muito além dos problemas de saúde física. A carência de serviços essenciais tem consequências severas para o bem-estar mental de uma comunidade, intensificando sentimentos de estresse, ansiedade e desamparo.


Lixo acumulado em canal de esgoto contribui para a degradação ambiental e riscos de saúde — Foto: Reprodução

Daniele Flora, de 26 anos, é uma testemunha dos desafios diários impostos pela falta de infraestrutura. Moradora de Tamoios desde a infância, ela lembra como a falta de água afeta a vida dos moradores, especialmente durante feriados e altas temporadas. "No carnaval, se cair água um dia, já é considerado sorte", comenta, referindo-se à rotina de incerteza que obriga os moradores a se adaptarem com cisternas, poços artesianos e, em casos mais extremos, a compra de água de caminhão-pipa. Para ela, a sensação de esquecimento é constante: "Parece que somos esquecidos. É como se a nossa comunidade não importasse."


Recém-formada em psicologia, Daniele trabalha como auxiliar de classe na rede municipal e como auxiliar terapêutica em uma instituição privada. Sua atenção se volta especialmente para as crianças, uma vez que a falta de água nas escolas compromete, na prática, a higiene e até o fornecimento de merenda. "Como é que uma criança consegue se concentrar nos estudos se o básico, como água e saneamento, não está garantido?", questiona ela. 

Além disso, a precariedade afeta diretamente o bem-estar de sua própria família. “Na minha casa tem quatro idosos: minha mãe, minha avó e meus tios. Então, é uma questão que mexe com a gente nesse sentido”, explica. Ela descreve como a situação mexe não apenas no aspecto emocional, mas também no financeiro.  "Se eu sei que vai faltar água, mesmo pagando a conta, eu preciso me preparar financeiramente para isso. E eu nunca sei quantos dias vão ficar sem água".


Impactos para a saúde mental


Estudos de psicologia social sugerem que viver em ambientes degradados pode levar ao estresse crônico e ao isolamento social. Em Tamoios, esses sintomas são percebidos, comprometendo o equilíbrio psicológico dos moradores. "É difícil se sentir motivado e otimista quando as necessidades mais básicas não são atendidas", observa Daniele.


A percepção de impotência diante da precariedade contribui para um estado de hipervigilância e desmotivação. "O senso de pertencimento é afetado. Muitas vezes, o indivíduo se sente incapaz de alterar sua situação, o que gera desesperança e medo do futuro", afirma Rebecca Jesus dos Santos, psicóloga comunitária e clínica.

A especialista também explica que "a saúde como um todo é determinada socioculturalmente. Os fatores socioeconômicos, culturais e ambientais impactam diretamente o bem-estar individual. [...] A insalubridade afeta os processos de identidade, autoestima e cidadania. O sentimento de exclusão e a percepção de abandono podem desencadear ou agravar transtornos psicológicos, além de gerar alterações cognitivas nas esferas do pensamento, memória e emoções".


O cenário do saneamento em Tamoios


Em 2022, a Prolagos, empresa responsável pelo saneamento básico no município, apresentou à câmara dos vereadores um plano de investimentos que pretendia destinar cerca de R$167 milhões para melhorias das condições sanitárias no distrito de Tamoios com previsão de cinco anos para o término das obras que incluem: a expansão do sistema de abastecimento, com 1300 novas ligações de água em oito bairros; a instalação de 102,7 km de redes separativas de esgoto; e a construção de uma Estação de Tratamento de Esgoto com capacidade para tratar 230 litros por segundo.


Funcionários trabalham em obras de infraestrutura a serviço da Prolagos — Foto: Reprodução

Embora isso seja verdade, e esses investimentos tragam esperança de melhora, para quem vive a precariedade há anos, a transformação não ocorrerá de maneira rápida. A falta de saneamento básico não é apenas uma falha de infraestrutura; é um problema de saúde pública e de dignidade humana. Essa condição é um dos fatores principais que alimentam a continuidade de situações de vulnerabilidade social. Dessa forma, é fundamental que se adote uma abordagem mais ampla em relação ao problema, valorizando também o apoio comunitário na construção de um senso de pertencimento que ajude a superar os desafios enfrentados.


"A psicoeducação sobre os impactos psicológicos da falta de direitos básicos é crucial para evitar o agravamento de transtornos. Paralelamente, é essencial investir em processos de fortalecimento comunitário, pois são as estratégias coletivas que ajudam a mitigar os efeitos da vulnerabilidade social," recomenda a psicóloga. Iniciativas que promovam espaços de diálogo para que os moradores possam compartilhar suas experiências e buscar soluções coletivas podem ser parte de uma estratégia eficaz para reduzir os danos causados pela precariedade.

 

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