“Pra mudar o mundo a gente não muda sozinho, a gente precisa dar as mãos”. Com 21 anos, Otávio Augusto é um representante de uma geração de jovens interessados em causas sociais e mobilização política. Ele lidera o movimento em uma das 68 escolas estaduais ocupadas no Rio de Janeiro. Desde o dia 19 de abril, os estudantes pegaram as chaves do Colégio Estadual Miguel Couto, em Cabo Frio. Enquanto ocupam a Escola, eles promovem eventos culturais e manifestações por melhores condições de ensino. Os próprios alunos notam que o despertar para o ativismo social cresceu nos últimos anos e trabalham para alcançar mais adeptos ao movimento.
Otávio é membro da União Cabofriense de Estudantes (UCE), e, apesar de ter se formado em 2015, voltou à escola para integrar o grupo de ocupantes. Segundo ele, o ativismo é uma característica natural, mas se acentuou com os protestos de 2013: “A gente consegue perceber que nasce com aquilo. Aquela motivação natural que nasce com cada pessoa. É isso que acaba nos impulsionando. Nós nos encontramos nesse caminho, esse caminho de ativismo, de lutas sociais, que se originou com todo esse espírito e essa vontade de querer mudar o mundo, começando pela nossa própria cidade. No ano de 2013 para cá houve um pouco mais de interesse da juventude de querer estar também protagonizando esse cenário”.
As programações culturais da ocupação envolvem assuntos como igualdade de gênero e questões de minorias. Uma representante da ONU (Organização das Nações Unidas) esteve no Miguel Couto para uma palestra sobre empoderamento feminino aberta à comunidade. Otávio frisou que o mais importante é levantar questionamentos para que os jovens consigam chegar a uma conclusão sozinhos : “A gente quer que a pessoa se informe e tenha a capacidade de desenvolver seu próprio senso crítico. Pra ela poder também escolher um posicionamento, saber se é contra ou a favor de alguma causa. O poder de decisão, o poder da escolha. O nosso papel é somente informar”, declarou. Jonatas Moraes, 21, que terminou o Ensino Médio em 2014, também retornou à unidade para a ocupação: “Conheci o presidente da UCE e comecei a me envolver. Esse ano me envolvi mais. Com a ocupação, eu me envolvi de vez na militância, por causa das amizades e das influências de quem eu conheci no movimento”.
André Luiz Garrido, professor de História em redes públicas e particulares, acredita que além de debates proporcionados entre os jovens, algumas matérias na escola são essenciais para uma troca maior de conhecimento sobre a política e tudo o que vem acontecendo no país. "A história, filosofia e a sociologia ajudam a informar e permitir que as pessoas possam emitir opiniões mais consistentes, que você debata ao longo do tempo as opções e várias possibilidades. Porque quando as pessoas se informar elas questionam e se as pessoas questionarem elas querem mudanças." declarou o professor. Além disso, ele destaca que os debates devem ser ampliados, mesmo em momentos de dinamismo político e grande polarização, e cita a frase atribuída ao famoso filósofo Voltaire: "Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las."
Macaé
Existem três escolas ocupadas na cidade de Macaé : O Colégio Estadual Prof. Vanilde Natalino Mattos, o Mathias Neto e o Luiz Reid. Nessa última, um grupo formado por professores e estudantes de Direito da Universidade Federal Fluminense organiza palestras sobre Filosofia do Direito e conscientização política dos alunos secundaristas.
Izabella Vicente, acadêmica de Direito, disse que a internet tem potencializado os movimentos da juventude: “Os jovens estão cada dia mais se engajando nas questões públicas e sociais. Acredito que esse fenômeno está ocorrendo por causa das redes sociais, que gera mobilização dos jovens em torno da luta para uma sociedade melhor”.
A jovem despertou para a mobilização cedo e conta que não pretende guardar o conhecimento para si: “Me interessei por ter vindo da rede pública e saber das dificuldades que os estudantes passam para ter o mínimo para estudar. E eles estão certos em exigir que o direito à educação seja de fato cumprido. Eu contribui com a sensibilização de outras pessoas para arrecadar alimentos e doar aos alunos que estão nas ocupações carecendo de várias necessidade. Estou me organizando para promover palestras sobre empreendedorismo, carreiras e curso de direito”.
Para o professor Garrido, a mobilização não se limita aos perfis nas redes: "Além da questão das redes sociais, eu acredito também na mídia alternativa que transita além da mídia conservadora, que se utiliza da internet para poder pluralizar o discurso político. O acesso à informação para o jovem permite que ele, mesmo que não esteja engajado politicamente, possa, através dessa mídia alternativa, redes sociais, usar isso como canal de aprendizado e ao mesmo tempo de expressão de opinião. Então, isso acaba levando a uma participação mais imediata dos jovens".
Histórico das ocupações
As ocupações nas escolas começaram a tomar corpo em São Paulo no final do mês de setembro de 2015, quando a Secretaria de Educação da cidade anunciou uma reforma do ensino que visava criar mais escolas de ciclo único. E o que seria essa reforma? Ela consistia no fechamento de 94 escolas (1,8% do total de rede), que terão seus prédios cedidos para outras finalidades educacionais, como creches e ensino técnico. Além disso, haveria o remanejamento de turmas em 754 unidades, no intuito de existir apenas um ciclo educacional em cada – mais de 300.000 estudantes serão transferidos. Hoje, o ensino é dividido em três ciclos. O primeiro, agrega alunos do 1º ao 5º ano do Fundamental (entre seis e onze anos); o segundo, do 6º ao 9º ano do Fundamental (entre 12 e 14 anos); e o terceiro, alunos entre 15 e 17 anos no Ensino Médio. Basicamente, a reforma propõe que o número de escolas que hoje recebem alunos dos três ciclos, as chamadas ciclos mistos, diminua. E as instituições que recebem apenas um dos três ciclos, aumentem. Os alunos e professores tem medo de que , com essa medida instaurada, os estudantes passem a frequentar escolas com desempenho inferior à atual, mais distantes e com salas superlotadas.
Inspirados no grande número de escolas ocupadas em SP (que chegou a ter 196 escolas estaduais ocupadas contra a medida), estudantes de outros estados também ocuparam as escolas em busca de melhorias no ensino. No Rio Grande do Sul o número chega a 150, no Ceará, 49 e no Rio de Janeiro quase 70 escolas. Os alunos que ocupam o Colégio Estadual Miguel Couto em Cabo Frio, Jonatas Moraes e Otávio Augusto, disseram que também se inspiraram em manifestações que aconteceram no Chile, onde mais de 700 escolas foram ocupadas em 2011 em protesto por passe livre e melhorias na educação pública.
A movimentação dos alunos pedindo por melhores condições na estrutura das escolas e mudanças, como a eleição direta pra diretores e fim de um sistema de avaliação, não acabou bem no Rio de Janeiro. Na madrugada do sábado dia 21 de maio, estudantes que ocupavam a Secretaria Estadual de Educação foram retirados à força por policiais. A ação causou polêmica devido a utilização da força policial com uso desnecessário de violência sem autorização judicial, na retirada dos estudantes. A Defensoria Pública do Estado do Rio considerou a ação desproporcional à ameaça que os adolescentes instalados na sede da secretaria poderiam representar. Foram utilizados spray de pimenta no rosto dos jovens e vários chegaram a sair desacordados. Para os defensores públicos, a segurança dos alunos deveria ter sido priorizada.
Enquanto isso, a ocupação dos estudantes vai terminar quando a greve dos professores da rede tiver fim. No entanto, após diversas assembleias, a categoria ainda não chegou a um acordo com o Governo Estadual sobre os reajustes e acertos de salários atrasados. O Estado alega, no entanto, que passa por dificuldades financeiras e não pode se comprometer com algumas das reivindicações dos professores.
A Secretaria de Educação declarou recesso nas escolas ocupadas desde o dia 2 de maio. Em nota, o Estado disso que a decisão significa que “que essas unidades ficam sem receber, no mês de maio, verba de merenda e manutenção; sem serviço de limpeza; o cartão de estudante é suspenso; e docentes não necessitam assinar a frequência”. Além disso, afirmou que as unidades terão aulas aos sábados no segundo semestre de 2016 e em janeiro de 2017, como forma de reposição.
*Foto 1 e 3: por Paulo Henrique Cardoso
*Foto 2: Agência Brasil