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Prestes a completar 20 anos, Consórcio Lagos São João cuida da vida da maior hipersalina do mundo

Kamilly Doria e Larissa Costa

Entenda como ligações clandestinas e a falta de saneamento básico podem afetar a vida da lagoa

Lagoa de Araruama no município de Iguaba Grande. Foto/Reprodrução: ProLagos

Conhecida como a maior hipersalina do mundo, a Lagoa ou Laguna de Araruama possui cerca de 160 km que percorrem seis municípios da Região dos Lagos: Saquarema, Araruama, Iguaba Grande, São Pedro da Aldeia, Cabo Frio e Arraial do Cabo.

Segundo a perita ambiental Ana Maria Jardim, antes do crescimento populacional da Região dos Lagos, a laguna já foi considerada um lugar de lama medicinal devido a uma boa quantidade de alcalinidade e de minérios dentro dela, além de ter sido responsável pela vida e alimentação de índios anos atrás.

Hoje, a atual realidade da maior hipersalina do mundo é diferente. Ela sobrevive com ajuda de aparelhos.

Além da exploração de sal e da retirada de conchas, que mexeu com a sua estrutura e sedimento, a laguna sofreu, também, com o crescimento mobiliário das cidades por onde ela percorre. O homem, principalmente agente nas modificações da laguna, começou a fazer ligações clandestinas e jogar, direto para a lagoa, dejetos sem nenhum tipo de tratamento. Começando assim, a contaminação e a morte de várias vidas no ecossistema.

De acordo com perita que trabalhou na Secretaria do Meio Ambiente na cidade de Iguaba Grande, diz que com o crescimento populacional na década de 1990 e a falta de um tratamento que impedisse a poluição da lagoa, a perita chegou a pensar que a laguna fosse morrer, pois ela começou a apodrecer, resultando na perda de alguns peixes, que começaram a morrer e outros que subiram em direção a Campos e ao Espirito Santo. “Eu trabalho nisso há praticamente 30 anos, mas existem pessoas com mais tempo que eu que lutam nisso. Nós fizemos o primeiro abraço na lagoa, nós fizemos os primeiros movimentos. Nós criamos o Consórcio Ambiental Lagos São João. Já que uma pessoa sozinha, uma ONG sozinha, uma entidade sozinha não conseguia dar jeito, nós conseguimos reunir os municípios que ficam no redor da lagoa, e fizemos uma luta em conjunto, foi aí que a gente conseguiu reverter a situação”, conta a perita que hoje é voluntária do Comitê de Bacias Hidrográficas Lagos São João. A iniciativa da criação de um Consórcio para unir governos, empresas e as entidades da sociedade civil visando fortalecer a gestão compartilhada do meio ambiente, surgiu pela primeira vez em 1986, durante o I Encontro de Meio Ambiente da Região dos Lagos. No entanto, a iniciativa vingou somente treze anos depois, quando em dezembro de 1999 ele foi formalmente criado.

A primeira atividade do Consórcio foi o planejamento espacial da sua área de atuação. Desta forma, dividiu-se a região em três bacias distintas; Bacia da Lagoa de Araruama; Bacia da Lagoa de Saquarema – Jaconé – Jacarepiá, e a Bacia dos rios São João, Una e Ostras, e suas respectivas Zonas Costeiras. O Consórcio Ambiental Lagos de São João tem como objetivo propor e executar ações de recuperação e melhorias ambientais nas áreas que compreendem as três bacias, como, por exemplo, as três fases de revitalização da Lagoa de Araruama. A primeira fase do projeto, em 2003, os recursos arrecadados através de um contrato dos serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto, com as concessionárias Prolagos e Juturnaíba, foram empregados na construção de cinco Estações de Tratamento (ETE’s) e na construção de um grande cinturão coletor do esgoto ao redor da lagoa. Além disso, foram construídas barragens provisórias nos principais canais, para impedir a entrada de esgoto in natura na Lagoa e nelas foram instaladas bombas para o envio de esgoto paras as ETE’s, quando o tempo está seco. Na segunda fase, que se encerrou em 2010, foi feita a extensão da captação do tronco coletor de esgoto em toda sua margem. Sua terceira fase foi iniciada em 2010 e tem data prevista para a conclusão apenas em 2023, onde se propõe a construção de uma rede separativa em toda área prevista pelo contrato de concessão, que abrange vários municípios do entorno da lagoa. Também será reformada a Estação de Tratamento de Água (ETA) do Reservatório de Juturnaíba. O Consórcio é, também, instrumento de gestão de política ambiental e de recurso hídrico, que fomenta a discussão destas políticas com a participação de todos os usuários e beneficiários diretos e indiretos dos recursos naturais da bacia e das instituições civis, empresas, órgãos de pesquisa e esferas de governo. Além do Consórcio Intermunicipal, a água da Lagoa de Araruama conta com as Concessionárias Águas de Juturnaíba, que atua nos municípios de Araruama, Saquarema e Silva Jardim, e a ProLagos, atuante nos municípios de Iguaba Grande, São Pedro da Aldeia, Cabo Frio e Arraial do Cabo, e ambas concessionárias trabalham em conjunto. Na cidade de Iguaba Grande, a Lagoa de Araruama tem aproximadamente 7 km de extensão. Mesmo sendo mais recuada e uma enseada pequena, a Lagoa que pertence a Iguaba passa por problemas de poluição e ligações clandestinas. A cidade também tem constantes enchentes em períodos de chuvas e problemas com o saneamento básico. Bruna Pereira da Silva é moradora de Iguaba desde quando nasceu, e relata que já presenciou vários episódios de enchentes na cidade. “Nos últimos cinco anos vem acontecendo com mais frequência, principalmente nos bairros mais afastados do centro como o meu”. A moradora também conta que os principais motivos dessas enchentes são o acúmulo de lixo nas ruas, jogados pelos próprios moradores, e o fechamento da saída de água e a falta de manutenção da prefeitura. A perita ambiental Ana Maria conta que, em conjunto com as Engenharias e Químicos da ProLagos, foram feitos vários cinturões no entorno da lagoa, com elevatórias que levam diretamente para as extrações de tratamento. Todos os Pontos de Vistoria (PVs) de Iguaba foram revisitados para saber o que acontecia por causa das enchentes. “Infelizmente, Iguaba tem uma situação de um terreno mais baixo e mais úmido, porque ali era tudo área de salina. A estrada Amaral Peixoto passou por cima das salinas, então aquele pedaço ficou muito baixo e muito denso”, explica Ana. A Rodovia Amaral Peixoto fica localizada na orla da lagoa. O solo de Iguaba Grande é considerado um dos solos mais antigos visíveis do Estado do Rio de Janeiro. Sobre as ligações clandestinas, a perita relembra a situação de uma lavanderia de Iguaba: “Multamos várias vezes. Eles passaram a trocar de lugar e mudaram para fazer as lavagens noturnas, mas o que acontecia? A espuma vinha para o canal. Então nós fizemos essa vistoria seguindo até a elevatória, para ver de onde que estava surgindo aquilo. Colocamos uma tintura colorida, e do outro lado a gente sabia que estava saindo aquela tinta. Se ela viesse com espuma, a gente detectava da onde ela estava vindo”. Ainda de acordo com a perita ambiental, atualmente não há mais quase pedaço nenhum no entorno da lagoa sem que haja um canal para o recebimento de dejetos. Todos eles são jogados em elevatórias. Em algumas partes, há a poluição, mas não contaminação, ou seja, há uma alteração ecológica provocada pelo ser humano, que prejudica, direta ou indiretamente, sua vida ou seu bem-estar. Há uma importante diferença entre água poluída e água contaminada. A água poluída contém substâncias que provocam alterações físicas e químicas, apresentando mudanças na cor e no cheiro, mas não causam danos à saúde. Já a água contaminada contém substâncias venenosas ou organismos infecciosos com capacidade de causar diversas doenças. Há uma verificação e o monitoramento diário das concessionárias na lagoa que é passado de manhã e à tarde, feito em laboratório. O Instituto Estadual do Ambiente (INEA) coloca diariamente o monitoramento avisando as praias improprias para banho, praias poluídas ou com determinado número a mais de coliformes fecais ou outros líquidos que foram lançados indevidamente. Esses locais são monitorados sempre para verificar se tem alguma ligação clandestina. Em Iguaba, a tubulação de esgoto e de redes pluviais é condizente com as quantidades de casas e com a metragem para chegar aos pontos de elevatória. Em relação ao saneamento básico e às águas que são levadas para as residências, o que é instituído para o tratamento ideal de rede de esgoto e águas pluviais é a construção de fossa, filtro e sumidouro. A Região dos Lagos, por ser constituída por cidades praianas, não foram preparadas para ter o hábito do saneamento. “Saneamento é saúde. Se a saúde está precária, o saneamento também vai estar. É uma coisa ligada à outra”, diz a perita ambiental. As Concessionárias têm o dever de colocar a água na casa dos moradores, mas é de responsabilidade do proprietário de inserir em sua residência o sistema de fossa, filtro e sumidouro e as ligações corretas de esgoto e águas pluviais. O tratamento fossa – filtro- sumidouro é um sistema por gravidade, tem aplicações no tratamento de esgotos sanitários e despejos residenciais, comerciais de bares, lojas e restaurantes de altas ou baixas cargas orgânicas, onde a água usada na cozinha, na lavagem de roupas, no vaso sanitário e a água do banho, precisam ter uma saída. Esse sistema deve ser feito uma limpeza regularmente, de seis em seis meses ou de ano em ano, dependendo da quantidade produzida de elementos nessas casas. Entretanto, de acordo com a engenheira civil Gessica Bueno, é muito comum pessoas confundirem a rede de esgoto com a pluvial, mas é preciso tomar cuidado. “A rede pluvial é para água da chuva e não recebe nenhum tipo de tratamento. Por isso, se ligar o esgoto nesta rede, ele irá direto para algum rio da cidade”, alerta. Sem o tratamento correto, o esgoto pode prejudicar a saúde e destruir o ecossistema. O detergente que desce com a água, por exemplo, cria uma camada sobre os rios que impede a oxigenação e mata a vida aquática do local. A rede de esgoto tem como destino final a estação de tratamento. Por isso, é indispensável que ele esteja ligado na rede para evitar a poluição do ambiente e a proliferação de doenças. Assim como a água da chuva deve ser ligada na rede pluvial para não sobrecarregar o esgoto. A rede hidráulica também é uma parte importante das residências. A água das calhas e dos ralos externos não podem ser ligados à rede de esgoto. Se isto for feito, acontece uma sobrecarga no serviço, prejudicando todo o sistema em dias de alto volume de chuva. As cidades contam com redes de escoamento exclusivas para as águas pluviais ligadas através de galerias subterrâneas, e o acesso da água a essas galerias se dá pelas bocas de lobos, conhecidos como bueiros. A água da chuva vai automaticamente para os rios e lagunas, com o seu sedimento natural. Os bueiros são dispositivos em forma de caixas coletoras, que devem estar nos pontos mais baixos do sistema para impedir alagamentos e águas paradas e devem ser posicionados em ambos os lados da rua. Eles recebem as águas das chuvas, que correm pelas sarjetas para direcioná-las à rede coletora. De acordo com a necessidade de drenagem, podem ser simples, múltiplos e equipados com grelhas de concreto ou de ferro. Os projetos são geralmente normatizados pelos municípios. O lixo que é jogado na rua pode entupir os bueiros, causando o alagamento nas ruas da cidade e jogando os dejetos para a lagoa. “Por isso, o proprietário do imóvel deve fazer uma ligação para que essa água que chega através da chuva vá para a boca de lobo. O cano deve passar pela calçada despejando a água na sarjeta. O ideal é evitar os tubos de PVC, que podem entortar as pontas e entupir o encanamento”, explica a engenheira. A engenheira civil também explica que quando o mau cheiro é identificado próximo aos bueiros, é sinal de que a rede de drenagem pode ter recebido ligação de esgoto indevidamente. “Como estes bueiros são abertos, o cheiro se espalha facilmente na via. O mau cheiro é um indicativo de ligações clandestinas na rede de esgoto que ainda não entrou em funcionamento, devido ao acúmulo de dejetos parados na tubulação. Caso parecido é a interligação indevida do esgoto doméstico na rede de drenagem da Prefeitura, dimensionada para receber apenas água de chuva”, esclarece Gessica. “Infelizmente tenho vizinhos que fazem o descarte do esgoto de forma incorreta, uns por morarem próximos a passagem da água do esgoto, já despejam direto lá e tem outros que jogam na rua mesmo sem se preocupar com o mau cheiro, que fica principalmente em dias mais quentes e que ainda atrapalha a passagem dos pedestres na rua”, desabafa a moradora Bruna Pereira. Atentando que a instalação deve seguir os cuidados da norma NBR 8160, que garante higiene, conforto e segurança dentro e fora do imóvel, seja ele residencial ou comercial. Casas que são flagradas pela fiscalização de Engenharia, pelo CREA ou pelas Concessionárias de Águas com a água pluvial ligada na rede de esgoto, o proprietário do imóvel pode tomar multas. O valor varia de cidade para cidade. É de extrema importância preservar não só a saúde e higiene pessoal, como também a saúde e a vida da maior hipersalina do mundo. Agredir o meio ambiente é agredir o seu bem-estar.


 

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