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Maria Emmanuely e Juliana Gandard

Pequeno grande vilão: A falta de saneamento básico ajuda na proliferação do mosquito Aedes aegypti

Sabe aquela água parada que fica no pratinho da planta? Os alagamentos que ocorrem constantemente e deixam poças pelo caminho? Ou aquele esgoto a céu aberto que acumula restos de lixo? Esses problemas até causam um certo incômodo e, mesmo assim, não damos a devida importância. Grande erro o nosso, pois a espreita tem um grande vilão: o mosquito Aedes aegypti. Ele é tão pequeno que parece inofensivo, mas pode causar um transtorno enorme quando resolve partir para o ataque. A lista das consequências não é curta: febre amarela, dengue, zika e chikungunya. Dessa maneira, devemos ficar atentos, porque não sabemos quais as novas doenças que através dele poderão surgir.

Há evidências históricas de que o Aedes aegypti foi introduzido no Brasil através de navios negreiros que traziam os escravos no período colonial. Aqui no país ele chegou a ser erradicado na década de 1950, mas entre os anos 60 e 70 ele voltou, vindo de países vizinhos que não haviam conseguido acabar com a sua proliferação. A principal doença que o vetor transmitia na sua primeira passagem pelo Brasil era a febre amarela, que aterrorizava a todos com os seus sintomas. Depois, foi descoberto que existem dois tipos de febre amarela: a silvestre e a urbana.

Enquanto a silvestre é transmitida pela picada dos mosquitos Haemagogus e Sabethes na zona rural e ocorre através do ciclo macaco-mosquito-homem, a da zona urbana é transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, de que tanto ouvimos falar. Ele vive nas redondezas das casas, em depósitos de água parada e ataca principalmente no começo da manhã e no fim da tarde.

No Brasil, a forma urbana já foi erradicada e o último caso noticiado ocorreu em 1942, no Acre. Desde então, só há relatos de febre amarela do tipo silvestre. Devido a isso, é muito importante que haja vacinação contra a febre amarela e conscientização da população, para que não volte a ocorrer a proliferação do vírus nas áreas urbanas.

Em 1981, outra enfermidade apareceu. “Mosquito da dengue” já virou o seu nome pelas inúmeras epidemias e diversos casos. A dengue é uma doença grave, podendo evoluir para a hemorrágica e até levar à morte. O vírus apresenta quatro tipos: sorotipos 1, 2, 3 e 4 e cada pessoa pode adquirir os quatro. A infecção gerada imuniza permanentemente cada sorotipo. Conforme o Ministério da Saúde, o número de casos prováveis de dengue no Brasil, em janeiro deste ano, mais que dobrou em comparação ao mesmo período de 2018 e até o dia 02 de fevereiro, registrou-se aumento de 149%, passando de 21.992 para 54.777 casos prováveis da doença. Portanto, podemos notar que os surtos continuam presentes para a população.

O grande vilão não se conteve com os gigantescos surtos da dengue e trouxe uma nova doença para o Brasil: a Zika. Estudos desenvolvidos na Fiocruz apontam que o novo vírus chegou no país no fim de 2013 e já causando uma grande repercussão por ser mais um vírus provocado pelo mesmo mosquito. Para que alguém seja infectado, é necessário o vírus que causa a doença e o mosquito, que transmite o vírus. Portanto, é preciso esclarecer que o Aedes aegypti só transmite a doença, quando está infectado e infectivo – o que são coisas diferentes. Outras formas possíveis de propagar a doença são: a transmissão de uma gestante para o feto durante a gravidez - que pode estar relacionada à microcefalia e outras patologias-; através da relação sexual; e ainda há uma possibilidade de transmissão por meio de transfusão sanguínea.

Em setembro de 2014, o Ministério da Saúde confirmou mais uma doença que chegou ao país vindo do vetor Aedes aegypti: a febre Chikungunya. Trata-se de uma doença viral transmitida por mosquitos. O nome significa “aqueles que se dobram”, referindo-se ao andar dobrado dos pacientes devido as dores nas articulações. O histórico da Chikungunya é alarmante, pois infecta um número muito grande de pessoas. Porém, o Ministério da Saúde registrou redução de 51% em 2019, comparado ao mesmo período do ano anterior.

A moradora de Cabo Frio Beatriz Silva, diagnosticada recentemente com a febre Chikungunya, ainda reclama dos sintomas que continuam presentes mesmo após quatro meses da doença. “Ainda sinto dores nas pernas e no pé, não consigo ficar por muito tempo abaixada e às vezes fico com os pés inchados ”.

Essas graves doenças poderiam ser praticamente eliminadas por algo tão eficaz: o saneamento básico. De acordo com a Lei 11.445/07 - Lei Federal do Saneamento Básico, “o saneamento básico é o conjunto de serviços de abastecimento público de água potável; coleta, tratamento e disposição final adequada dos esgotos sanitários; drenagem e manejo das águas pluviais urbanas, além da limpeza urbana e o manejo dos resíduos sólidos”. Contudo, vemos nas cidades graves descasos com a falta de saneamento básico. O lixo a céu aberto, o descarte na rua, a água da chuva empoçada: é nesse cenário que se tem a condição perfeita para a proliferação do mosquito.

A ausência de serviço de saneamento básico acaba facilitando a reprodução deste mosquito. “Quando a população não tem esses serviços, principalmente nas áreas mais vulneráveis, como as zonas rurais ou periféricas, o que acontece é que você facilita as condições necessárias para a proliferação do mosquito. Basta um pouquinho de água num pote ou numa tampinha de garrafa. Então, o lixo e os recipientes dos lixos são fundamentais para o crescimento do mosquito, porque formam ali os criadouros artificiais tanto nos domicílios como no entorno dos domicílios”, ressaltou o professor Waldemiro Romanha, mestre e doutor em Ciências pela Fiocruz.

Os bairros mais atingidos por essas doenças são os mais afetados economicamente, mas não são somente as áreas distantes e periféricas que sofrem com isso. “Não é uma questão de pobre ou rico, é uma questão de ausência de política em prol da infraestrutura mais elementar, que é o próprio saneamento”, afirmou o coordenador de Comunicação do Instituto Trata Brasil, Rubens Filho.

A Prolagos é responsável pelo saneamento básico nos municípios de Arraial do Cabo, Armação dos Búzios, Cabo Frio, Iguaba Grande e São Pedro da Aldeia. A empresa fez com que a taxa de internações hospitalares causadas por doenças de veiculação hídrica caísse em 93%, reduzindo em 62% os gastos no SUS, na Região dos Lagos.

(Divulgação Prolagos)

Isso comprova que os custos das doenças caem muito quando se tem um bom saneamento básico. Segundo dados divulgados pela Organização Mundial de Saúde, a cada R$ 1,00 aplicado em saneamento, R$ 4,00 são economizados na área da saúde.

No entanto, obstáculos ainda impedem que o saneamento básico seja prioridade. A coordenadora de Engenharia Ambiental da Universidade Veiga de Almeida, campus Cabo Frio, Flávia Targa, ressalta a sua importância. “O saneamento é e sempre será a ação prioritária para a diminuição dos problemas de doenças, mas especificamente para as de proliferação por mosquito. Porém, para o governo não é uma prioridade, pois são obras caras e que não dão uma grande visibilidade”, afirma.

Nesse mesmo sentido, Rubens Filho concorda. “A infraestrutura de esgotamento sanitário foi deixada de lado pelos governantes, pois é cara e de longo-prazo, com baixo impacto eleitoral. Já a infraestrutura de água, ao contrário, cresceu consideravelmente. Contudo ainda são 35 milhões de brasileiros sem acesso a este serviço”, diz.

A Prolagos atua na Região dos Lagos desde 1998 e já investiu R$ 1,3 bilhão em saneamento básico. Neste período, passou a atender de 30% a 98% da população da área urbana, e subiu praticamente de zero para 80% o índice de atendimento em esgoto sanitário na região.

O saneamento básico é um dos fatores principais para erradicar o mosquito Aedes aegypti e as doenças transmitidas por ele. Para isso, é necessário não apenas uma melhor infraestrutura do governo, mas também uma conscientização da população para não deixar água parada. Estudos apontam que o mosquito tem se procriado em água suja, como o esgoto. “É um fenômeno natural. Em termos biológicos, as espécies vão se adaptando às pressões ambientais. Então já era esperado que isso ocorresse”, esclareceu Waldemiro Romanha.

Como mais uma estratégia para alertar a população, o Museu da Vida/Fiocruz lançou a exposição “Aedes: que mosquito é esse?”, exibição interativa sobre o mosquito transmissor da dengue, zika e chikungunya. Um dos curadores da exposição Waldir Ribeiro chama atenção sobre as alterações climáticas. “O aumento da temperatura global também pode estar contribuindo para acelerar o ciclo de vida desse mosquito, tornando cada vez mais curto o ciclo de desenvolvimento desde o ovo, larva (quatro estágios), pupa e mosquito adulto”.

Percebemos que o mosquito tem se tornado mais resistente ao meio em que vive, portanto, precisamos tomar um cuidado ainda maior. A vendedora Angela Mota, do Horto Raízes de Cabo Frio, conta os cuidados utilizados na loja. “A gente aqui não tem nada de vaso no prato. Tomamos cuidado quando chove. Às vezes, fica algumas águas nos vasos e pedimos aos funcionários para tirar. É assim que a gente cuida. Quem quiser colocar o pratinho, põe em volta a areia lavada”.

Desse jeito, fica evidente a importância de um saneamento básico de qualidade e de campanhas públicas que mobilizem toda a população. Muito pode ser feito para evitar o dano desse pequeno grande vilão. E investir em saneamento básico é a principal atuação que necessita ser realizada. Entretanto, não é somente os governos que deverão tomar alguma providência, é obrigação também dos cidadãos evitar ações que ajudam o mosquito a procriar.


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