Aplicativos de delivery facilitam as vidas dos consumidores e geram empregos, mas especialista alerta para a precarização do trabalho.
Já pensou em escolher livremente seu turno de trabalho, quantidade de horas que vai trabalhar por dia, fazer exercícios físicos e ainda conhecer novas pessoas e locais de uma cidade onde você acabou de chegar? Parece uma realidade distante, mas isso já está presente na vida de Dayana Mesquita, de 21 anos, que é moradora de Cabo Frio e faz entregas pelo Uber Eats, de bicicleta.
A internet e os aplicativos de smartphones trouxeram novas possibilidades para os consumidores e criaram um novo cenário para quem deseja incrementar a renda.
“Eu nunca trabalhei de carteira assinada. Estava precisando de dinheiro e tinha a bicicleta parada. Juntei o útil ao agradável”, disse Dayana que trabalha com o aplicativo há cerca de dois meses.
A jovem conta que devido às entregas, está mais ativa fisicamente e que, apesar de se sentir mais cansada, nota uma melhora em relação à força muscular e à resistência.
Com o uso da tecnologia, o consumidor pode escolher seu almoço e, com alguns cliques, receber a refeição em casa ou no trabalho sem o desgaste de cozinhar ou se deslocar até um restaurante.
De acordo com Dayana, apesar da facilidade para flexibilizar os horários, existem pontos negativos.
“A desvantagem é que é um trabalho muito cansativo e bastante desvalorizado. Ganho em média R$ 4,00 por entrega. Tem dias que faço dez [entregas] e tem dias que faço uma”, disse.
Dayana faz as entregas das 18h até meia-noite. No período da manhã, ela trabalha na lanchonete do tio. À tarde, a jovem se dedica à carreira de tatuadora.
O aplicativo Uber Eats já está presente em mais de 50 cidades e em 13 países. O site da empresa apesenta o serviço como um modo eficaz de pedir comida e estipula uma média de 15 minutos para cada entrega, de forma que o cliente pode acompanhar o caminho do entregador em tempo real pelo GPS do aplicativo.
Uma das propostas da Uber é ajudar a melhorar a situação financeira das pessoas com oportunidades de ganhos, horários flexíveis e outros recursos. No entanto, a advogada trabalhista Benizete de Medeiros alerta para a precarização das relações trabalhistas provocadas com o advento dos aplicativos, de modo que os trabalhadores não têm carteira assinada e, por serem considerados autônomos, não possuem respaldo da empresa contratante.
“Se eles não forem considerados empregados, os aplicativos não podem ser responsabilizados pelos acidentes. Quem assume o risco de acidentes, da utilização e do desgaste do veículo, do combustível, do seguro de vida e do seguro do carro é o próprio trabalhador”, explica Benizete, que advoga há 30 anos na área do direito trabalhista.
Outra questão é em relação aos direitos. Os trabalhadores autônomos não têm direito ao décimo terceiro salário, férias remuneradas, multa sobre rescisão contratual de trabalho, ao FGTS e à Previdência Social.
“Há um entendimento de que esses trabalhadores, principalmente motorista de Uber, são empregados e, portanto, deve-se reconhecer o vínculo de emprego com a plataforma da Uber. Mas o entendimento dominante ainda é o de que eles não são empregados” conta a advogada.
De acordo com o IBGE, 12,6 milhões de pessoas procuram trabalho no Brasil. A análise trimestral com fim em agosto de 2019 ainda aponta uma queda na taxa de desemprego que está em 11,8%. Em junho, julho e agosto, o índice estava em 12,3%. Contudo, o aumento das ocupações está ligado ao mercado informal. Segundo dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), divulgada pelo IBGE, 41,4% da população ocupada está na informalidade, o maior índice já registrado desde o início da análise desse indicador em 2016.
O cenário de crise estabelecido no Brasil nos últimos anos acompanhado da recessão econômica é, sem dúvidas, um dos catalisadores do crescimento do mercado informal. A retração da economia e as denúncias de corrupção em grandes empresas estatais são alguns dos motivos que causaram um aumento no desemprego. Trabalhadores sem perspectiva de entrada no mercado procuram outros meios de obter renda e foi nesse momento que os aplicativos chegaram com força no país.
É fato que o fenômeno da uberização (como são chamadas as novas configurações de trabalho promovidas pelos aplicativos) é um acontecimento recente, fruto do acelerado desenvolvimento digital. Os impactos sociais dos aplicativos ainda estão sendo analisados, de modo que é difícil prever o que pode vir a seguir.