A recusa de atendimento, cesárea forçada e outros procedimentos fora do padrão, são considerados uma violência obstétrica, por exemplo
(Imagem: Karen Novais/ Arquivo pessoal)
“Ele não esperou a anestesia fazer efeito e logo começou me cortar. Eu chorava e gritava muito, mas ele não se importava. Então, o anestesista o empurrou com palavrões e tirou o médico dali, me pediu desculpas e falou para eu ter calma que ia dar tudo certo.”
Vítima de violência obstétrica no ano de 1995, Denair Carvalho faz parte de uma realidade que vem ocorrendo há muito tempo na saúde. Mas antes de começar, uma pergunta: você sabe o que é violência obstétrica? Trata-se de agressões física, psicológica e verbal à gestante. A recusa de atendimento, cesárea forçada e outros procedimentos fora do padrão, são considerados uma violência obstétrica, por exemplo.
A violência não ocorre somente no parto, também acontece com mulheres que sofrem aborto, seja ele proposital ou não, e, até mesmo, com casos de natimortos (quando o bebê nasce morto). Pela falta de entendimento, muitas mulheres não se dão conta do ocorrido e só percebem a ação atípica depois.
Esse abuso até poderia ser considerado parte de um procedimento “comum” na época em que Denair deu à luz. Com o passar dos anos e as mudanças sociais, nas quais as mulheres estão envolvidas, a atitude rude e o descaso destes profissionais têm sido questionados. “Hoje os partos são até filmados e todo procedimento cirúrgico tem que ter um acompanhante para cada paciente. Há vinte anos éramos tratadas bem pior” afirma a mesma.
RELATOS DE QUEM JÁ SOFREU E HOJE SE TORNNOU DOULA
“Eu já sofri violência obstétrica, no meu primeiro aborto, na minha segunda gestação que eu pari a minha filha e na minha terceira gestação que foi outro aborto também. Os dois abortos foram espontâneos, eu realmente queria poder ter gestado e ter parido esses filhos. Sofri a violência nos três casos’’. Conta Paola Duarteque, também vítima da violência obstétrica, que se profissionalizou como Doula, justamente para ajudar e informar outras mulheres. Ela afirma que toda mulher precisa conhecer o seu corpo, pois não existe uma educação sexual eficiente para poder entender o que acontece com ele, e nesses momentos é importante ter esse conhecimento. Paola também apresenta outra informação: no Sistema Único de Saúde (SUS) os casos são mais frequentes em relação ao hospital particular – sendo no primeiro a situação mais evidente – e as mulheres que mais sofrem são as pobres, periféricas, negras e adolescentes, ou seja, entra uma questão estrutural que trata também políticas públicas.
“É uma coisa que precisamos com urgência trabalhar nas mulheres, eu ainda preciso trabalhar muito em mim, de reconhecer essa questão da violência e denunciar, porque se não é denunciado não tem como as o pessoas saberem, para que os responsáveis tomem as medidas cabíveis.” Completa Paola.
(Imagem: Brenda Ferreira)
E SE ACONTECER, QUAL O PROCEDIMENTO?
Por medo de passar por mais uma situação humilhante, Denair e sua família não quiseram recorrer à justiça, porque acreditavam que esse costume era comum esse em hospitais públicos. Já Paola é bacharel em Direito, e, teoricamente, deveria tomar as devidas providências, mas não o fez por vergonha, medo e culpa por achar que essa violência era pequena e sem importância. “Me faltou coragem, apoio maior, força e também esperança desse caso chegar em algum lugar, porque na minha cabeça, por eu vivenciar várias questões sem ser a violência obstétrica, mas outros tipos de violência que os processos não deram em nada, me recolhi. Eu pensei: Ah, é só mais uma! Que diferença vai fazer? mas faz toda diferença...” conta a Doula, que completa dizendo que denunciar essa violência é extremamente difícil, pois a sociedade é intimidadora.
Para impedir esse erro, da equipe médica, é preciso tentar registrar através de fotos, vídeos e testemunhas sobre o ocorrido. A vítima pode comunicar ao conselho do hospital ou a corregedoria do município (se tratando de hospitais públicos). Se o caso não for resolvido, deve-se procurar um advogado, Defensoria Pública ou até mesmo o Ministério Público para apuração dos fatos, para propor uma demanda judicial.
A advogada Racquel Rosas explica sobre leis que amparam essas vítimas. “O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), em seu artigo 8 da lei 8.069/1999 traz o parto humanizado, previsão do direito ao acompanhante e outros direitos, mas ainda é tímido e não traz de forma expressa sobre a violência obstétrica”.
COMO TRATAR O TRAUMA CAUSADO PELA VIOLÊNCIA?
A violência obstétrica desenvolve traumas e até quadros depressivos. No caso da Denair, a depressão foi tratada por um bom tempo, mas ela afirma que quando se lembra do episódio o sentimento de revolta toma conta, pois não aceita ter sido tratada daquela maneira.
Esse abuso pode causar depressão pós-parto, e a ajuda de um psicólogo para o tratamento é muito importante, pois o profissional irá direcionar o paciente da melhor maneira para lidar com a situação, amenizando os efeitos em sua rotina. É preciso quebrar o tabu e falar sobre esse assunto, para que ele se torne ainda mais relevante e venha mostrar para a sociedade que é preciso repudiar esse ato.