Arraial do Cabo: quando o paraíso vira vítima do próprio sucesso
- AEC

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O aumento do turismo e a falta de controle ambiental colocam em risco a vida marinha e o sustento de quem vive do mar em Arraial do Cabo.
por: Rebeca maia, Camila Cardoso e Sara morado

Em Arraial do Cabo, o turismo e a pesca sempre conviveram lado a lado. Mas o aumento desordenado de visitantes e embarcações turísticas vem ameaçando uma das atividades mais antigas e simbólicas do município: a pesca artesanal.
“Muito barulho dos motores dos barcos afastam os peixes”, lamenta o pescador conhecido como Paulo Chinês, que mantém viva a pesca artesanal há mais de 30 anos. As áreas de pesca invadidas por lanchas lotadas, embarcações turísticas e mergulhadores são sinais de um modelo de turismo que, sem controle, começa a engolir a própria comunidade que o sustenta.

A pesca artesanal é um patrimônio cultural imaterial do município de Arraial do Cabo, um estilo de vida e tradição de gerações que vem sendo apagada durante os anos. É indiscutível afirmar que o turismo é uma das principais fontes de renda da cidade, porém, a forma que é administrada a circulação das embarcações de passeio é algo que ameaça toda uma cultura e precisa de mudanças urgentes. Atualmente existe mais barcos de turismo do que canoas de pesca artesanal, o pescador Paulo Sérgio de Souza Mendes, que foi citado anteriormente, compartilhou que antigamente o normal era 30 canoas de pesca saindo em cada praia, porém atualmente apenas quatro, cinco, e algumas praias com apenas uma, ele também demonstrou preocupação com o futuro da pesca artesanal:
“Aos poucos vai acabando, daqui uns 10-20 anos não vai ter mais, hoje em dia tem pouca gente e as que tem mudam para pesca nos barcos de passeio”
Ele costumava pescar aos arredores da ilha do farol, próximo à praia dos anjos onde fica localizado o porto, porém com os sons altos das músicas e motores vindos dos barcos de passeio, ele teve que mudar de lugar, além de que só é permitido pescar até as 10h, pois após esse horário é apenas permitido os barcos de turismo, esses fatos apontam como que além do meio ambiente e saneamento, o turismo desenfreado impacta o estilo de vida, a cultura e o trabalho de todo um grupo.

As pesquisas voltadas para o ambiente marinho mostram que os impactos causados pela ação humana vão muito além do que conseguimos ver. Na Praia dos Anjos, por exemplo, a superlotação de barcos já provoca uma interferência clara na vida marinha. O barulho constante dos motores e o movimento intenso das embarcações mudam o comportamento das espécies e desequilibram o
ecossistema. Segundo a pesquisadora Isabela Assis, “o ruído dos barcos de passeio afasta a vida marinha, impede a comunicação e interfere na manutenção desse ecossistema.” Esse tipo de poluição sonora é silencioso para nós, mas extremamente agressiva para os animais que dependem do som para se orientar, caçar e se comunicar.
Os próprios pescadores da região percebem essa mudança. O pescador Fábio Maia destacou “desde que eu comecei a pescar, sempre foi normal achar peixes na Praia dos Anjos, mas agora já faz anos que não consigo pescar lá.” Esse relato mostra que o impacto não é apenas ambiental, ele também atinge diretamente quem vive do mar. O som que antes era parte natural do ambiente agora se transformou num obstáculo para a sobrevivência de muitas espécies. De acordo com Isabela Assis, “o ruído subaquático duplicou nos últimos 50 anos.” Ela alerta que o problema é urgente, já que “a saúde do oceano está diretamente ligada à nossa maior fonte de renda, o turismo.” Ou seja, cuidar do
mar não é só preservar a natureza, é também proteger o futuro econômico da região. Mesmo reconhecendo que a solução não é simples, Isabela Assis acredita que a
instalação de um monitoramento acústico na enseada e a realização de pesquisas mais profundas sobre o impacto dos barcos seriam um ótimo começo para mudar essa realidade e encontrar um equilíbrio entre o turismo e a preservação.
Para mais informações assista a entrevista completa com Isabela Assis:
Dentro desse mesmo cenário em que o som dos motores divide a paisagem com o silêncio do fundo do mar, entra também o rastro que o turismo deixa na areia e na água. Plásticos, latas, bitucas e muito mais, estudos apontam que até 80% do lixo acumulado em praias turísticas pode ter origem na própria atividade turística. Quando esse lixo não é recolhido, acaba se misturando ao escoamento da água das chuvas, entrando em sistemas de drenagem ou sendo arrastado para o mar e, nesse caminho, conecta-se diretamente à saúde dos ecossistemas marinhos.
Pequenos descartes na costa se transformam em microplásticos, entram na cadeia alimentar, afetam cardumes e comprometem a mesma água cristalina que atrai o turista. Além disso, o lixo de praia raramente fica limitado à faixa de areia: ele é jogado no mar, vai para o fundo, se fragmenta em microplásticos e entra no ciclo da vida marinha.
Estudos feitos ao longo da costa do Rio de Janeiro mostram que plásticos compõem mais da metade dos resíduos encontrados no fundo do mar e que muitos desses resíduos são de uso humano e do turismo costeiro. Para a pesca artesanal, isso significa redes que enroscam em lixos, peixes que ingerem partículas ou evitam ambientes que antes eram produtivos, e uma paisagem marinha que vai adoecendo aos poucos. E a infraestrutura de saneamento tem papel direto nisso também: se o lixo sólido e o escoamento urbano não são controlados, o sistema que deveria proteger o mar, se torna uma via de contaminação.


Na prática, para uma cidade como Arraial do Cabo, que o turismo cresce na maré alta e a pescaria depende das águas limpas, o desafio se torna estrutural. É preciso que o sistema de drenagem pluvial, a coleta de resíduos sólidos, as redes de esgoto e tratamento alcancem níveis que acompanhem o uso intenso da costa.
Caso contrário, o mar acaba sofrendo as consequências. Não se trata de apontar um culpado isolado, mas de mostrar que o “caribe brasileiro” exige manutenção constante: escunas, turistas, pescadores e o saneamento dependem da mesma água, e que ela continue a valer a pena.






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