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Eutrofização da Lagoa de Araruama: os efeitos da poluição em uma das maiores lagunas hipersalinas do mundo

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    AEC
  • há 1 dia
  • 8 min de leitura

Atualizado: há 6 horas

Entenda como o despejo de esgoto e o assoreamento em torno da laguna prejudicam pescadores e empreendedores em São Pedro da Aldeia 


por: Eduarda Lobo, Lara Pimentel e Ana Clara Tavares


Acúmulo de algas na beira da Praia do Mossoró/Foto: Lara Pimentel 
Acúmulo de algas na beira da Praia do Mossoró/Foto: Lara Pimentel 

Um ecossistema em risco


Berçário de diversas espécies, fonte de sustento para pescadores, e cenário de esportes aquáticos, a Lagoa de Araruama é um ecossistema de importância ambiental, econômica e cultural para a Região dos Lagos. Com extensão de 220 km, ela abrange Saquarema, Araruama, Iguaba Grande, São Pedro da Aldeia, Cabo Frio e Arraial do Cabo, impactando diretamente as comunidades ao redor. 


Entretanto, esse ecossistema enfrenta desafios provocados pela ação humana, como o fenômeno da eutrofização. Mas afinal o que isso significa? O pesquisador e professor da UFF, Dr. Júlio Wasserman explica: “A eutrofização é um processo associado a um desequilíbrio na disponibilidade de fósforo e nitrogênio na água que promove florações descontroladas de microalgas (dentre as quais muitas são tóxicas). Os nutrientes em excesso costumam estar associados a excesso de despejos de esgoto, mas uma vez no ecossistema (por exemplo, na Lagoa de Araruama), vão alimentar as microalgas, promovendo o seu ciclo de vida, crescendo e morrendo. Ao morrer, ela precipita no sedimento onde se decompõe e libera os nutrientes de volta para a coluna d’água. Quando a água troca pouco com o mar, este processo ocorre continuamente por muitíssimos anos, alimentando o sedimento com mais e mais nutrientes, constituindo um estoque que, mesmo que os esgotos sejam interrompidos, a eutrofização continua ainda por muitos anos. Em determinados momentos, a produção de microalgas se intensifica, pois o fluxo de nutrientes para a coluna d’água é grande e em outros momentos o fluxo diminui e a produção de microalgas reduz, deixando a água mais transparente. A qualidade da água atualmente é bem variável, expressando momentos de elevada eutrofização e de oligotrofia”. 

 

Esse processo pode ocorrer de duas formas: naturalmente, com o acúmulo lento e gradual de nutrientes no ambiente (que levam séculos), ou desencadeada por fatores humanos, como o despejo de esgoto e assoreamento de margens.  


Ambiente eutrofizado/Foto: Lara Pimentel
Ambiente eutrofizado/Foto: Lara Pimentel
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O lançamento de esgoto é um dos grandes fatores de aceleramento da eutrofização de ambientes aquáticos pois despeja uma quantidade desproporcional de nutrientes, propiciando a proliferação das algas. Como consequência, o ambiente eutrofizado acaba adquirindo uma coloração turva, formando grandes manchas verdes ou mesmo uma espessa camada na superfície da água. 


Além disso, a retirada da cobertura vegetal ao redor da lagoa provoca o assoreamento, ou seja, o acúmulo de sedimentos no ecossistema. Com a diminuição do volume de água, há um aumento da luz solar no fundo, o que estimula o crescimento de algas. Esse processo é prejudicial, pois a presença da vegetação é essencial para reduzir o transporte de sedimentos e poluentes pelas águas da chuva, atuando como uma barreira natural.  


Para o Dr. Júlio Wasserman, uma solução plausível seria a utilização de produtores primários que podem ser manejados: “Como verificamos, as concentrações de nutrientes no sedimento da Lagoa são extremamente elevadas e a sua liberação para a coluna d’água pode levar à intensa eutrofização. Ainda é necessário entender melhor o que promove a liberação de nutrientes para a água, mas entendemos que atualmente a simples abertura da laguna para o mar não seria saudável, transformaria o sistema em uma laguna de salinidade normal e remobilizaria o sedimento, eventualmente intensificando as florações de microalgas durante vários anos. É necessário retirar os nutrientes do sedimento e uma das soluções utilizadas no mundo inteiro é a dragagem ecológica, onde uma fina camada (10 ou 20 cm) é retirada da superfície do ecossistema. Não obstante, este processo é aplicado a pequenas lagunas, em uma laguna como Araruama os custos seriam imensos e a disposição do sedimento dragado seria um grande problema. Assim, uma solução possível seria utilizar produtores primários que podem ser manejados, como plantas aquáticas, ou macroalgas. Elas são capazes de remover os nutrientes da água e antes de morrer, podem ser removidas e utilizadas para diversas finalidades, incluindo fertilizantes, geração de energia e muito mais”. 


Além de prejuízo ambiental, esses fatores impactam a vida da comunidade que depende da Lagoa de Araruama para a sua subsistência. 

 

Pescadores na linha de frente 


A pesca artesanal é diretamente afetada pelo processo de eutrofização da Lagoa de Araruama, pois o fenômeno influencia a quantidade e qualidade de peixes capturados e, consequentemente, a renda das famílias que vivem da atividade.  


Segundo estimativas, a maior comunidade pesqueira da lagoa está em São Pedro da Aldeia, com aproximadamente 500 pescadores e as partes mais afetadas do município são os bairros do Camerum e do Boqueirão. 


(Dados do Programa da Estatística Pesqueira da Lagoa de Araruama) 
(Dados do Programa da Estatística Pesqueira da Lagoa de Araruama) 

Além dos impactos econômicos diretos, a eutrofização também acarreta consequências sociais e culturais, pois a pesca artesanal está profundamente ligada à identidade local e à transmissão de conhecimentos tradicionais entre gerações. A degradação da lagoa, portanto, não atinge apenas a subsistência econômica, mas também o patrimônio cultural das comunidades pesqueiras da Região dos Lagos. 


Peterson e Kauã se preparando para a pesca em São Pedro da Aldeia/Foto: Lara Pimentel 
Peterson e Kauã se preparando para a pesca em São Pedro da Aldeia/Foto: Lara Pimentel 
Pescador Ricardo Cardoso/Foto: Lara Pimentel 
Pescador Ricardo Cardoso/Foto: Lara Pimentel 

Pescador Valdeci com seus aparatos de pesca/Foto: Lara Pimentel 
Pescador Valdeci com seus aparatos de pesca/Foto: Lara Pimentel 

Ao conversar com Edvan dos Santos, pescador da comunidade do Poço Fundo, ele relata que a pesca significa o sustento de sua família e que exerce a prática desde os doze anos de idade.  Porém, nos últimos anos, o pescador percebeu grandes mudanças causadas pelo esgoto. 

 

“Estamos comendo lama. Geralmente passamos duas horas pescando e quatro horas só limpando o camarão. Hoje nós damos dois lances e vamos embora. Antes eram uns cinco lances”.  
- Edvan 

Perguntado sobre um possível caminho de melhora, Edvan declara: “O caminho é só Deus por nós. Alguém que atue e perceba a importância da causa. Pescador sozinho não pode fazer nada. Precisamos caminhar lado a lado”. 


Edvan mexendo em sua rede antes da pesca/Foto: Lara Pimentel 
Edvan mexendo em sua rede antes da pesca/Foto: Lara Pimentel 

A Associação dos Pescadores Artesanais de Gancho de Peixe da Laguna de Araruama – APAGPLA, localizada no Porto da Aldeia, reafirma que o estado da lagoa afetou muito a economia local, com uma diminuição significativa na captura, considerando a quantidade e a qualidade do pescado.  


O pescador Roni Ribeiro, integrante da associação, explica que o problema vai além da captura, existe também a desconfiança do consumidor que associa a condição da laguna com a qualidade do peixe modificando a estrutura da “lei da oferta e da demanda”. 


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Algas retiradas das redes junto com o camarão/Foto: Lara Pimentel 
Algas retiradas das redes junto com o camarão/Foto: Lara Pimentel 

Outros impactos econômicos e sociais 


Os pescadores não foram os únicos afetados pela poluição da lagoa, empreendedores locais também se manifestaram a respeito da situação. 

 

Fillipe Guia, dono do restaurante “Sal da Terra”, situado às margens da lagoa, expressou seu descontentamento com o cenário atual.  O restaurante que costumava receber entre 400 e 600 clientes por final de semana, teve de fechar as portas no mês de março de 2025, após quatro anos de funcionamento. Segundo Fillipe, a beleza natural da laguna o motivou a abrir o negócio, porém, em outubro de 2024, o cenário mudou drasticamente.  

“Primeiramente com odores de baixo incômodo e depois de alto incômodo, além da poluição na lagoa e a reclamação dos clientes. Em fevereiro de 2025 chegamos no auge da poluição, onde nosso faturamento baixou em 80%. Tentei mantê-lo aberto por cerca de três meses, mas o impacto financeiro estava muito forte, tornando inviável economicamente”. 


O restaurante reabriu parcialmente em 12 de outubro de 2025, trazendo a esperança de volta ao empreendedor que não hesita em anunciar à população que o “Sal da Terra está de volta!”. 


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Restaurante Sal da Terra/ Fotos: Eduarda Lobo 
Restaurante Sal da Terra/ Fotos: Eduarda Lobo 

Restaurante Sal da Terra/ Fotos: Eduarda Lobo 
Restaurante Sal da Terra/ Fotos: Eduarda Lobo 

Outro exemplo é Roseane Pires, proprietária da Marina no bairro Porto da Aldeia, que enfrenta dificuldades na empresa com a perda de clientes devido ao estado atual da lagoa.


Garagem náutica localizada em São Pedro da Aldeia/Foto: Eduarda Lobo 
Garagem náutica localizada em São Pedro da Aldeia/Foto: Eduarda Lobo 

“A primeira vez que estive em São Pedro foi há 51 anos e me apaixonei. Conheço inúmeros países de diversos continentes e afirmo categoricamente que não existe pôr do sol e azul do céu mais bonito do que o nosso”. 


Apesar do amor pelo local, Roseane critica a falta de ação efetiva para proteger a lagoa: 


“Avalio com muito descrédito em soluções a médio e longo prazo. Vou a diversas reuniões e vejo muita conversa para pouca ação. O verão está próximo e com ele a “temporada” das algas originadas e alimentadas pelo despejo dos esgotos não tratados.” 

 

Possíveis caminhos e soluções 


Entretanto, nos últimos anos, o município de São Pedro da Aldeia tem intensificado suas ações voltadas ao controle ambiental e à recuperação da qualidade da água da Lagoa de Araruama. A fiscalização de efluentes e o monitoramento das estações de tratamento de esgoto passaram a receber mais atenção, com o objetivo de reduzir vazamentos e impactos sobre o ecossistema lagunar. 


Segundo o Secretário da área ambiental, Breno Bento dos Santos, o trabalho conjunto entre órgãos municipais, a concessionária responsável pelo saneamento e a própria comunidade tem sido essencial para identificar e corrigir irregularidades. As medidas incluem a ampliação das equipes de fiscalização, a criação de grupos de monitoramento e o investimento em soluções sustentáveis para o uso da água tratada. 


“Aumentamos o quantitativo de fiscais na questão dos efluentes lançados. Temos uma equipe somente nessas atividades todos os dias, e também no turno da noite. Conseguimos avançar bem em alguns problemas existentes em elevatórias, bombas, ETE's. Criamos um grupo de saneamento, temos os fiscais, Prolagos, secretarias de Meio Ambiente e Pesca, onde recebemos vídeos de pescadores, e sociedade civil em tempo real para que possamos ter êxito nesses vazamentos. Sabemos que precisamos evoluir e muito no que diz respeito a tempo seco e redes separativas, mas para tudo isso acontecer precisamos das revisões para que medidas possam ser tomadas. Uma outra questão são as transposições. Nossa laguna é hipersalina, nós não podemos receber essa água, mesmo que seja tratada de volta, à laguna. Temos uma área rural enorme, já estamos avançando nessas conversas, para utilizarmos essa água na agricultura. Precisamos que cada município tome suas responsabilidades e cobrem ao poder concedente providências a serem tomadas, para que assim o resultado seja mais eficaz”, comentou o Secretário adjunto Breno Bento. 

 

Apesar dos avanços significativos nas ações de fiscalização e saneamento, a Lagoa de Araruama ainda enfrenta reflexos de um passado marcado pelo despejo de esgoto e pela ocupação desordenada de seu entorno.   No entanto, o Secretário de Meio Ambiente de São Pedro da Aldeia, Mário Flávio Moreira, destaca que a recuperação do ecossistema é visível e que, hoje, a realidade da laguna é bem diferente de anos atrás.   “A Principal fonte de poluição da lagoa é antrópica, provocada pelo homem, que é o esgoto in natura que caiu durante anos e ainda cai alguma coisa, como por exemplo na Praia do Siqueira em Cabo Frio, alguma coisa aqui em São Pedro, na Enseada do Maracanã. Mas isso diminuiu consideravelmente. Hoje a lagoa tem balneabilidade em quase todas as praias. A lagoa tem bandeira azul em algumas praias (Praia das Pedras em São Pedro da Aldeia e Praia dos Ubás em Iguaba Grande). Então a recuperação da lagoa é fato. Algumas pessoas negativistas querem dizer que está ruim. Está ruim pontualmente: Praia do Siqueira, um trecho no Camerum, Mossoró...” 

 

Entre as medidas estruturais que vêm impulsionando a recuperação da Lagoa de Araruama, destaca-se o investimento em infraestrutura de saneamento básico. Em São Pedro da Aldeia, a modernização da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) representa um marco importante nesse processo, fortalecendo o compromisso com a melhoria da qualidade da água, a preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável do município. 


“A modernização da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de São Pedro da Aldeia é um passo fundamental para acompanhar o crescimento do município e garantir saneamento eficiente, com novas tecnologias que ampliam a capacidade de tratamento e asseguram a devolução segura dos efluentes ao meio ambiente, contribuindo para a proteção da Lagoa de Araruama e para a saúde da população.”, cita a empresa Prolagos. A ETE de Cabo Frio também está em processo de modernização, passando de primária para terciária. 

 

“A concessionária espera consolidar a universalização do saneamento na área de concessão, levando água tratada para mais casas e avançando na coleta e tratamento de esgoto. Os principais objetivos são: segurança hídrica, eficiência operacional e proteção ambiental para os corpos hídricos”.  
- Prolagos 

Os esforços conjuntos entre poder público, concessionárias e comunidade indicam que a recuperação da Lagoa de Araruama é um caminho possível e que está em constante evolução. Ainda que desafios persistam, as ações de fiscalização, modernização do saneamento e conscientização ambiental vêm mostrando resultados concretos. O objetivo agora é manter o ritmo dos avanços e fortalecer a cooperação entre os municípios, garantindo que a laguna continue se regenerando e permaneça como símbolo de equilíbrio ambiental e orgulho para toda a Região dos Lagos. 

 

 
 
 

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